sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Conto

A insatisfação é minha causa. Levanto a bandeira do sempre querer e da não realização. Se estivesse realizado, se ja me sentisse assim, buscaria a overdose.


Não sei por que eu desejo tanto este sentimento de plenitude. Talvez por que eu nunca senti isso. Como alguem pode contentar-se com o que tem? com o que simplesmente é? Isso me intriga. Me causa inveja. A inveja como o mais humano dos pecados. E enquanto eu não sentir a plenitude em meu coração, como uma centelha de luz azulada, eu não ficarei satisfeito.


E enquanto insatisfação andar comigo, eu estarei vivo. Pulsando. Buscando. Invejando Deus e Buda. Tenho a humildade de aceitar que com 20 anos a plenitude não escolheria meu coração. Seria injustiça para quem ja viveu e realizou tantas coisas neste planeta. Mas eu invejo todos que falam deste sentimento como se ja o sentiram.


Invejo aqueles que a guardam para saboreá-la numa taça de cristal em noites de solidão. Pronto. Esperneio. Agito os braços. Escrevo para com a plenitude pois sei que ela está me lendo, afinal sentimentos são mais abundantes que moléculas de ar, escrevo para a plenitude por que se ela não adentrar meu coração mandarei a inveja conversar com ela.

Arrumo o meu coração, faço o cardápio do jantar e escolho com cuidado o vinho. Quero que a plenitude se sinta acolhida. Quero que ao sair ela tenha desejo de voltar. Ela não arcou horário para me ver. Mas ela virá. A inveja já falou de mim para ela.

Disse que existe um garoto esperando por ela. Que ele mal consegue se concentrar nos seus afazeres enquanto pensa na convidada. A plenitude respondeu que até tem vontade de visitar o garoto, mas não consegue adentrar nos corações de quem não a pratica. Os poros podem até estar abertos, mas o sangue que corre pelas veias tem que ser compatível para chegar ao coração.


Ao dizer estas palavras a inveja se despediu e deu lugar à tristeza. É engraçado como logo depois que a tristeza vai embora entra a alegria. É raro, muito raro a tranquilidade me visitar entre as visitas destes dois sentimentos. Assim passo de um extremo a outro, a altos e baixos. Acho que expulsarei a alegria e a tristeza de mim. Ora vejam, que audácia! Chamarei a tranquilidade para não ficar sozinho. Sozinho, vírgula, pois como já disse a insatisfação está sempre aqui. É o que me mantem vivo.


Conversarei com a tranquilidade. Olho para ela e ela olha para mim. Não sei o que falar. Acho que a presença dela é o que me satisfaz. Não o que fazemos. Suspiro. Suspiro. Bocejo. Irrito-me pois não sei o que falar. Como posso ser tão criança a este ponto?


Felizmente a compreensão me lembra dos meus afazeres. Então eu os faço e esqueço de mim.

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